Fábio Rodrigues, de São Paulo
Entre os mistérios do setor de biodiesel, talvez o maior seja a forma como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) chega aos valores que servem como referência nos leilões. As fórmulas usadas nessa operação têm permanecido trancafiadas desde o primeiro certame realizado em 2005. Já foram 24 no total e vários bilhões de reais negociados sem conhecer a equação que define quanto – e se – o setor vai lucrar.
Para adensar ainda mais o mistério, em agosto o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou uma portaria determinando que a ANP passasse a usar o Fator de Ajuste Logístico (FAL). Pelas negativas iniciais da ANP em abrir o cálculo do FAL, tudo levava a crer que essa seria outra equação para assombrar o setor.
Pois, no começo de novembro, o setor teve a rara oportunidade de espiar por debaixo do capô e ver parte das engrenagens que movimentam o sistema de comercialização. Num aparente descuido da ANP, a íntegra de uma planilha usada para calcular o FAL e o preço de referência do biodiesel foi anexada ao edital do 24º Leilão que constava no ComprasNet.
Destrinchar os números contidos nas planilhas não foi tarefa fácil, até porque a agência manteve seu costumeiro mutismo sobre o assunto, mas com alguma persistência foi possível tirar uma série de conclusões importantes, algumas das quais preocupantes.
Inquietações
A primeira informação significativa é que a tabela do FAL parece derivar exclusivamente de dados da Petrobras. Embora a informação não possa ser confirmada, é significativo que a estatal seja mencionada no nome da planilha que serve de base para os cálculos relacionados ao FAL. Contudo, as diferenças notáveis nos valores cobrados do 23º para o 24º leilões – criam uma incômoda dúvida a respeito da precisão dos cálculos, especialmente dos utilizados no leilão anterior. O custo para levar biodiesel do Amapá até os Estados do Nordeste, por exemplo, caiu surpreendentes R$ 0,44.Esse não foi o único – nem o maior – ponto de estranhamento. Chama a atenção o fato do preço de referência do biodiesel ser calculado com base nos custos do frete da soja e da mamona. Tudo leva a crer que os cálculos da ANP tenham partido de uma base de R$ 2,40 por litro (a planilha não permite saber como a agência chegou nesse valor) e usou os custos do frete pago para trazer soja e mamona até a usina para calcular um fator de ajuste a ser adicionado sobre a base. A soma dava o valor de referência em cada uma das cinco regiões do Brasil. A inclusão da mamona é inesperada, afinal essa oleaginosa não é usada na fabricação do biodiesel. Surpreendentemente, a segunda e a terceira matérias-primas mais representativas – o sebo e o caroço de algodão, respectivamente – ficaram de fora.
Além da estranheza, incomoda o fato do cálculo partir da premissa de que o preço das matérias- primas é o mesmo em todo o Brasil, o que premia os Estados com grande produção de soja e onde o preço é menor. Um erro evidente e que vai na contramão da meta do MME de desconcentrar a produção de biodiesel das regiões Centro-Oeste e Sul.
Falta de cuidado
É uma falta de cuidado desconcertante com um processo que negocia mais de R$ 6 bilhões por ano – o 24º Leilão superou a casa dos R$ 1,5 bilhão –, e faz parte de um histórico nada virtuoso de desatenções para com as regras dos leilões de biodiesel.No 21º leilão, por exemplo, a ANP ignorou o próprio edital ao permitir que a Biopetro vendesse além do limite de 80% da capacidade trimestral autorizada. Para piorar, o erro sequer foi da usina. Foi a ANP que a obrigou a assumir itens maiores para resolver o impasse criado com a desclassificação da ADM. De quebra, naquele mesmo leilão, o mercado ficou sabendo que a Fiagril havia participado de mais de uma disputa usando o CNPJ de uma filial que, pelas regras, não poderia concorrer.
Sem surpresas
Ao largo da polêmica, o leilão 24 transcorreu normalmente. A disputa seguiu o script de sempre, com concorrência rarefeita nos lotes exclusivos para as usinas detentoras do Selo Combustível Social e uma batalha campal nos lotes abertos. A diferença nos preços médios e no deságio aceito conta toda a história: para os lotes exclusivos, o preço médio (com FAL) ficou em R$ 2,4595 e o deságio foi de exíguos 0,83%; nos lotes sem selo, o preço médio foi de R$ 2,1437, com deságio de 13,62%.A diferença repetiu a história de disputas anteriores. Isso apesar do leiloeiro ter aberto primeiro os cinco lotes sem selo para só então negociar os lotes com selo. A mudança na ordem praticamente invalida o argumento de que as usinas detentoras do selo estariam “fazendo média de preços” ao aceitar valores mais baixos nos lotes abertos para conseguir mais ocupação.